"E vinha depois também,
insinuada aos poucos no meio da manhã,
uma vontade de que alguém telefonasse,
tocasse a campainha, chamasse lá embaixo,
a princípio vaga, mas cada vez mais nítida,
até chegar quase a ferir, feito uma dor, agulha, brasa.
Nada acontecia.
Aquela como uma vontade de ser feliz,
de haver alguma ordem ou estar noutro lugar
onde fosse possível sentar ao sol comendo maçãs,
deixava também de ser como um estar-à-beira-de-qualquer-coisa-boa.
Campainha e telefone mudos,
a manhã a transformar-se em tarde,
emergia venenosa a sufocação,
vontade de fugir, de não ser quem era
nem ter vivido nenhuma das coisas que vivera.
Todo um passado, essa coisa que chamam de passado,
desembocava ali naquele momento,
em pleno centro das manhãs esbranquiçadas de silêncio."
**Caio Fernando de Abreu**
0 ana-lises:
Postar um comentário